Pesquisa aponta que 80% da classe média negocia na hora de ir às compras
Que os brasileiros são afetuosos, calorosos e adoram um bom papo isso todo mundo sabe. O que se desconhecia é que esse “xalalá” também é usado quando a intenção envolve economizar e gastar menos.
O brasileiro, em suma, adora uma pechincha na hora da compra. É o que revela pesquisa divulgada nesta semana pela Boa Vista, empresa administradora do Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC), que investigou os hábitos de consumo e a forma como os consumidores da classe média de todas as regiões do Brasil lidam com suas finanças.
Mostra que 80% da classe C, ou a classe média brasileira, faz da arte de pechinchar uma prática real, deixando de lado a vergonha e buscando colocar pra baixo o preço do produto que deseja adquirir. E estamos falando aqui de mais de 100 milhões de pessoas. “E mais um sinal de cuidado por parte do consumidor.
E é bom para o lojista, pois o comércio precisa de consumidores que paguem”, analisa o economista da Federação das Associações Comerciais e de Serviço do Rio Grande do Sul ( Fecomércio-RS), Lucas Schifino, ponderando que ao praticar a pechincha esse consumidor também mantém o orçamento dentro das suas possibilidades. “Pois adquire coisas que sem esse desconto não poderia obter”, pontua.
O argumento casa com outro ponto revelado pelo estudo, o de preocupação com o nível de endividamento. Nesse critério, 54% dos consumidores consideram-se equilibrados com relação aos seus hábitos de consumo, 27% se denominaram consumistas e apenas 12% disseram comprar mais do que o planejado quando se deparam com ofertas.
APRENDIZADO NA PRÁTICA
Os sinais de que a educação financeira ganha espaço entre a classe média brasileira são saudados pelo economista Flávio Califa. Mas diz que derivam de ‘choques” tomados pela população.
“Acho que é por aprendizado na prática. O brasileiro está aprendendo na marra, poiso uso do crédito é fenômeno mais ou menos recente no País e, como esse acesso ao crédito foi rápido trace consequências fortes, como os picos de inadimplência em 2011/12”, recorda.
“Temos um cenário positivo pela frente, com tendência de aumento no controle dos gastos°, analisa.
PECHINCHADOR PESQUISA PREÇO
Economista da Boa Vista e um dos coordenadores da pesquisa, Flávio Calife vê com bom humor a prática da pechincha pela classe média. Porém, argumenta que está longe da ideia de “mercado árabe”.
“Na verdade, esse consumidor quando vai à compra já fez pesquisa de preço e de lojas, tem argumentos para abrir uma negociação e tentar a aquisição da mercadoria por preço mais baixo”, diz. “Desses 80% que pechincham antes de realizar uma nova compra, 73% buscam informações na Internet sobre preços.”
A “TENTEADA” É LIVRE
Vista sob um olhar e vocabulário gaúcho, a pechincha é uma prima-irmã da máxima popular “a tentiada é livre”, diz o economista Lucas Schifino. Nesse sentido, faz uma ponderação e esclarecimento sobre a prática.
“Há empresas que têm margem de negociação e outras não, mas faz parte do papel do consumidor investigar essa diferença. É ele que arbitra entre os preços e presta atenção nos produtos, fazendo com que lojas e empresas busquem seu máximo de eficiência, produzindo mais e com menor custo”, comenta.
Consumidora consciente
A promotora de vendas Maristela Rodrigues Soares, de 47 anos, moradora de Esteio, passou a se preocupar com taxas de juros depois de assistir a uma reportagem na TV. “Eu geralmente não dava bola para isso, nem me preocupava em saber quanto de juro e impostos se paga nas compras”, relata.
No caso de Maristela, a reportagem serviu como aprendizado, principalmente porque ela é uma boa consumidora. Em média, por mês, gasta em tomo de 900 reais em roupas e sapatos. “Eu comecei a fazer os cálculos e descobri que todas essas taxas acabam impactando no orçamento do mês”, explica.
A vendedora também observou que houve diferença para mais nos preços, não só nos itens de alimentação, mas vestuário e até cosméticos. “Senti no bolso esse aumento, além dos juros abusivos”, afirma. Hoje, ela vai às compras com mais cautela. Pesquisa e até pechincha com o gerente.
“Não costumo fazer prestação, gosto de pagar à vista, pelo preço real. Então sempre acaba rolando um descontinho”, assegura. Outro direito que Maristela não dispensa é cobrar da loja o valor do imposto na nota fiscal. “Estou aprendendo na prática”, destaca.
AS REVELAÇÕES DA PESQUISA
– 85% dos consumidores da classe média têm o costume de fazer algum tipo de controle de quanto ganham e gastam no mês;
– 53% costumam listar itens necessários antes de comprar e 51% controlam por meio de uma planilha;
– 51% gastaram menos em relação ao ano anterior, tato que revela a atenção ao cenário econômico atual;
– Entre os itens que os consumidores economizariam em uma situação de emergência surgiu, em primeiro lugar, o corte nas despesas de alimentação fora de casa, com 52%; em segundo, redução nos gastos com consumo de água, com 41 %;
– O hábito de pesquisar preços está presente na rotina de 94% dos consumidores da classe C;
– Os três principais itens pesquisados antes da compra são eletroeletrônicos (76%), eletrodomésticos (68%) e vestuário e calçados (62%); Como forma de pagamento, 32% possuem só um cartão de crédito e para 59% destes consumidores o cartão é uma forma de controlar todas as despesas financeiras;
– 31% compraram mais, 18% compraram a mesma quantidade e 51% compraram menos. Alem disso, 77% escolhem prazos menores quando precisam fazer uma compra parcelada e outros 72% levam em consideração o valor da parcela;
– 58% têm conhecimento sobre taxa de juros e a influência que isso traz nas compras parceladas;
– A Internet é um dos principais canais que os consumidores da classe C se valem para obter informações sobre como controlar seus gastos pessoais, principalmente na região Norte (63%) e Centro-Oeste (57%), seguido por Sul e Sudeste (55%) e Nordeste (51%);
– A região Sul registra maior percentual de consumidores da classe C que pesquisam preços de vestuário e calçados (70%), alimentação (69%) e móveis (60%).
76% realizaram compras parceladas nos últimos seis meses e, em comparação ao mesmo período do ano anterior, houve redução nessa percepção de como utilizar as compras parceladas.
66% atribuem maior importância à taxa de juros em relação ao valor da parcela quando precisam tomar decisão de compra.
QUEM É A CLASSE MÉDIA
Mais da metade da população brasileira é composta pela classe média, ou classe C, correspondendo a algo em tomo de 100 milhões de pessoas;- Segundo critérios da Fundação Getúlio Vargas, e com valores adaptados ao salário mínimo vigente em janeiro de 2014, possui rendimento familiar entre R$ 2.030,00 a R$ 8.700,00; 70% são homens, 44% são casados, 39% possuem idade entre 25 a 34 anos, 57% têm até três filhos e as idades concentram-se na faixa de até 10 anos; 80% trabalham, 49% são empregados de empresas privadas e 66% concentram-se na região Sudeste, seguida por Sul (14%), Nordeste (9%), Centro-Oeste (7%) e Norte (4%).
CRÉDITO: CHAVE É PLANEJAR
Lembrando que há pouco mais de uma década o crédito no Brasil era quase coisa de outro mundo, mas hoje é algo amplo e acessado pela maioria da população, o economista Lucas Schfiino alerta. “Crédito exige um mínimo de planejamento financeiro, é um antecipação da renda. Pra eu antecipar renda, preciso saber o que vou receber e quais os meus gastos fixos e variáveis”, orienta.
Ressalta que o nível de educação financeiro do brasileiro é ainda baixo, mas que nos Últimos três anos não houve um descontrole muito grande no consumo. “Vimos que ciclos de inadimplência continuaram em trajetória média, como desde o início da década, com queda da inadimplência nos dois últimos anos”, ilustra.